Quando era pequeno tinha crises de ansiedade na véspera do meu aniversário. Não era a expectativa das prendas que me fazia sofrer – a pobreza do meu meio nunca me criou tal problema –, era sim a visão de durante umas horas, que pareciam segundos, conseguir ter os seres que mais prezava no mundo, à minha volta. A contemplação dos seus olhares e expressões, celebrando a minha existência.
Depois cresci. Alguns cresceram comigo e outros envelheceram. Por estas e outras razões, a celebração da minha existência deu lugar a esporádicas confirmações da minha sobrevivência... “O que é feito de ti?” “Estás a safar-te?” “Corre tudo bem?” “Quando é que vens a casa?”
Soube que havia parado de crescer e passado a envelhecer quando à vez, de forma aleatória, alguns dos seres - outrora habituais - deixaram de vir...
Quando a meio de uma celebração reparamos que não conseguimos antecipar a maioria dos olhares e expressões que nos rodeiam, sabemos que mais tarde ou mais cedo, seremos nós os ausentes. Pouco a pouco, deixamos de celebrar e passamos a contabilizar... “Quantos vêm?” “Quantas velas?” “Quanto custa?” ”Demora muito tempo?”
Quando a meio de uma celebração reparamos que não conseguimos antecipar a maioria dos olhares e expressões que nos rodeiam, sabemos que mais tarde ou mais cedo, seremos nós os ausentes. Pouco a pouco, deixamos de celebrar e passamos a contabilizar... “Quantos vêm?” “Quantas velas?” “Quanto custa?” ”Demora muito tempo?”
Quando era pequeno tinha crises de ansiedade na véspera do meu aniversário. Por isso, ia para a cama e obrigava-me a dormir. O tempo passa mais depressa quando dormimos; não pelo estado de semiconsciência que “os mais objectivos” evocam mas por causa dos sonhos que não lembramos. São eles que recapitulam os momentos e antecipam as emoções que queremos sentir. Muitas vezes, com sorte, repetem-se.
Ontem adormeci no carro. Era véspera de mais um dia importante na minha vida.
Acordei e já estavam todos presentes, prontos para celebrarem a minha existência. Tinha doze anos quando o mesmo aconteceu. Não ouvi a campainha e quando acordei, já todos haviam chegado. E como é bom acordar sem a ansiedade de que mais um dia passe ou mais alguém chegue. Durante anos, ansiei que tal sonho se repetisse...
Coloquei-me ao centro dos meus seres e antecipei as suas expressões. Depois, com os olhos da alma bem abertos, contemplei-os, iluminados pelo crepúsculo em que as janelas dos meus pais transformavam o sol...
Vi cada um dos meus amigos e praticamente todos os meus amores, recordar-me, num dia em que se celebrou a minha existência. O Pedro e o Luís, que conseguiam sempre no último minuto, arranjar um punhado de papelinhos coloridos para me atirarem à cabeça, lançaram-me um punhado de terra, repetindo a mesma frase de tantos sonhos repetidos: “ Fica bem maior, fica bem”.
Entretanto alguns envelheceram também e ficaram comigo, a contar-me histórias da minha existência.
Mais tarde voltaria a nascer.
Filipe Lascasas
*Crepúsculo: do Lat. crepusculu
s.m., claridade frouxa que se nota antes do romper e depois do pôr do sol.
figurativo: decadência; ocaso; declínio. Samskeyti - Sigur Ros