terça-feira, 30 de novembro de 2010

19 dias... O Pavilhão Chinês (Lx) é mesmo bonito!



- Não te vejo mochilas em redor mas o teu olhar parece-me de viajante...
- Essa foi a melhor coisa que me disseram num mês! Queres uma sandes?
- Aceito as sandes com a companhia. E então?
- Então?!?
- És um viajante?!
- Sou um viajante-falso... Ando a fazer pequenas viagens, em folgas, à procura de histórias, à procura de balei... de mim.

Se encontrares um viajante-verdadeiro – um que o é depois da idade em que o Cartão Jovem expira, que partilha sandes, crava cigarros e não gasta dinheiro em quartos de hotel – tira-lhe uma foto... Encontraste a mais solitária e egoísta das criaturas.

(Tirei-lhe uma foto).

Um viajante- falso não sabe para onde ir; um verdadeiro, não tem para onde voltar. Não tem amigos, pais, recordações de berço – aquelas que ficam de todas as vezes em que renasceste, numa só vida – esta.

Atestei o carro ontem – à meia-noite – e marquei um compromisso. Deixei-a à espera (ou talvez não) na Estação de Serviço de Oeiras.
À hora combinada, estava bem longe – no Pavilhão Chinês (pela primeira vez) – acompanhado de recordações (pessoas) que serão de berço.

Depois de seres (ou mesmo sempre tendo sido) viajante-falso, marcarás compromissos de viagem que na verdade, só cumpririas antes da data de expiração do Cartão Jovem (a antiga).
Quando se falha um compromisso, o adjectivo “egoísmo” é normalmente um dos adequados. Porém, se és um falso viajante, serás apenas egoísta se privares os que te amam da tua companhia. É para isso/esses que existem as férias.  

Hoje perdi histórias mas ganhei recordações.

Filipe Lascasas


Perdoa-me Anna Reinsoo... Norte é norte (venho de lá).



segunda-feira, 22 de novembro de 2010

11 dias...



Ainda não vi(mos) baleias a dançar. 
O melhor de qualquer viagem é fazerem-se novos amigos...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Adeus...



Voltarei mas não vos sei precisar quando. Fui à procura de ver Baleias a dançar.
Prometo (e mesmo fora dos timmings esperados, nunca falhei uma promessa) que encontrarão um dia, mais histórias minhas. Aqui ou noutro lugar.

Se entretanto passarem por mim, chamem-me... Eu conto-vos uma história.

Para os que  são seguidores do Blog e por isso amigos (distantes ou próximos) haverá mais histórias, nos endereços de e-mail que me deixarem -> flascasas@gmail.com  (Não prometo tentar agradar-vos.)

Obrigado a todos os que deixaram comentários.

As histórias foram até agora dedicadas:


Àqueles que aguardam uma visita mensal e me dão uma cama improvisada (que na verdade é permanente). Àqueles que são génios poéticos e nunca desistiram de me deixar uma palavra mesmo quando (para testar a sua persistência literária) não lhes deixo nenhuma, nas suas libertações.
Àqueles - iguais aos anteriores - que me dão tempo (até para um foundant de chocolate) - O segredo são 11 minutos de cozedura!
Àqueles que choram em recepções de SPA e me forçam a escrever histórias com finais felizes.
Àqueles que insistem em gostar da "personagem" que lhes conta apenas a parte real das histórias.
Àqueles que transformam as histórias numa "matriz matemática" e calculam as fórmulas das suas "vulnerabilidades".
Àqueles - iguais aos anteriores - que são verdadeiros escritores, com mais talento e sensibilidade do que eu.
Àqueles que inventaram o verbo "Pedaçar" e pertencem a um mundo especial - Dica: o melhor. 
Àqueles que não deixam o trabalho misturar-se com um profundo sentimento de cumplicidade, carinho e amizade.


Àqueles por quem me apaixonei e aos que odiei mesmo não tendo amado.
A Lisboa - por me ter reinventado e por me  fazer esquecer a perda de um amigo (numa história que ainda não foi contada).
À PT e ao RT - que são os nomes que Lisboa devia ter, para (inevitavelmente) ser amada.
Ao Porto - pelas cicatrizes (incluindo de carne) e por (ainda) me ignorar.
A Aveiro.
Aos países que me acolheram e aos que me deram oportunidades de trabalho - para pagar multas, viagens de regresso, saídas da prisão e... excessos.
Ao J.F. e ao D.P. - que dão Paixão ao meu modo de sobrevivência.
A todos o que conhecem verdadeiramente os meus defeitos e insistem em amar-me.
Aos meus amigos - a família que decidimos ter (e que quase inclui todos os que foram referidos).
  
Aos meus pais - e consigo provar cientificamente - que fizeram tudo o que foi mencionado anteriormente.


Àqueles que me convenceram que 80 histórias podem ser apenas 40 e ainda assim, mais que suficientes para um livro.

As histórias foram dedicadas a vós mas vocês já as sabiam (viveram).

Filipe Lascasas

Florence and The Machine - "Cosmic Love"

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sala de Espera



Abri a mala para confirmar que tinha trazido mais de sete pijamas e o vento levantou no ar  trinta e três folhas, escritas numa antiga máquina de escrever. Corri uns metros atrás delas mas desisti, desprendendo-me de um sentimento de posse que se tornava cada vez mais relativo.
Nas folhas, voavam letras de uma vida preenchida de trabalho (relatórios criminais) e alguns desabafos – num diário que não visitava muitas vezes. Sentei-me e vi o meu passado voar, num espectáculo que preencheu o céu e me mostrou – de forma tão simples – o quão vulneráveis somos aos ventos da vida.
Quatro folhas pousaram à minha frente: um dos meus relatórios (sobre alguém que se fazia passar por médico - que nunca apanhámos) e três páginas do meu diário...


Folha nº1 (De um relatório – há quinze anos atrás)

A polícia concluiu não haver matéria para indiciação criminal e a Ordem dos Médicos – a mais interessada – prefere evitar possíveis embaraços. Disseram-me que se a imprensa ou a religião forem metidas ao barulho, estarei a atirar-me para um pesadelo institucional – ao  qual todos ousarão dar respostas perante a nossa impossibilidade de  responder a perguntas.
(Todos sabemos o que acontece, no mundo actual, a quem lança perguntas sem dar respostas, mesmo que erradas.)
Não temos suspeitos. As vítimas deste indivíduo não acusam qualquer tipo de drogas nas suas análises, além de cafeína e ácido acetil salicílico.
Todos relatam o mesmo: um médico de bata suja e  estetoscópio ao pescoço pergunta “como se sentem”. Após registar os sintomas, debruça-se na maca e da-lhes um abraço. Segura as suas mãos enquanto lhes dá o que agora sabemos ser uma aspirina. Depois, diz-lhes que vão morrer.

“A sua morte aproxima-se. Prepare-se para a abraçar.”

Pede-lhes cinco nomes e contactos das pessoas de quem mais sentem saudades. Promete – pela sua honra e experiência – aliviar-lhes o sofrimento.  
As salas de espera dos maiores hospitais de Lisboa tornaram-se caóticas, com pessoas vindas de todo o mundo, exigindo ver os seus entes queridos à espera da morte...
No entanto, o que torna tudo pior, são as consequentes reclamações de centenas de visitantes - exigindo indemnizações de viagens e tempo perdidos – perante a constatação de que os seus amigos e familiares não estão assim tão doentes e logo, não irão morrer (pelo menos nos próximos dias úteis).

Facto: os pacientes ficaram curados. Uns - mais psicologicamente voláteis - atribuem a sua cura ao abraço e à visão dos que mais amavam, à volta da sua maca. Outros, ao comprimido milagroso dado pelo falso médico.
Apesar de o caso estar arquivado, continuo, no meu tempo livre, a frequentar salas de espera em hospitais e clínicas. Ele, como que adivinhando os meus passos, nunca apareceu.

Folha nº2 (Do diário - há catorze anos atrás)

Atendi o telefone e do outro lado, um médico disse para não me preocupar. A Beatriz falou-me, a soluçar...

- Estava a correr no recreio da escola e caí, Papá.

Há já dois anos que ela não me chamava “Papá”. A mãe não atendia o telefone e por isso, o pai – eu – estava autorizado a  ir vê-la.
Foi na quarta-feira, faltavam dois dias para a visita oficial deliberada pelos tribunais.
Encontrei-a numa maca com o braço engessado. Disse-me que se portou bem na operação e não sentiu dores porque lhe deram um comprimido. Pediu-me que a abraçasse porque “o médico disse que tinha de o fazer”.

Folha nº3 (Do diário – há seis anos atrás)

A Beatriz telefonou-me, a soluçar. A mãe não tem telefone fixo para assuntos destes e ela precisava que o Papá – eu mesmo – fosse ter com ela, três dias antes da visita juridicamente autorizada.
Fui encontrá-la num banco de jardim, a chorar e a acariciar a cicatriz no braço - como sempre faz quando está preocupada e espera o pai vir salvá-la, num dia da semana.

- O João deixou-me porque gosta de outra.

Dei-lhe um abraço de uma hora e uma aspirina. Ela meteu-se no autocarro, duas horas depois, já sem dores.

Folha nº4 (Do diário – há um dia atrás)

Telefonei à Beatriz a soluçar. Dei um único número ao médico para ele marcar.

- Dizem-me que tenho de ser internado,Bia.

Ela empurrou a porta, trocou umas palavras baixinho com o meu médico de bata suja e começou a acariciar a sua cicatriz – uma antiga ferida que recordarei sempre como a marca da cicatrização com a minha filha de doze anos.


Ela chama-me. Chama-me “Papá” – só não o fez durante dois anos, há muito tempo atrás. Vou atirar esta e as outras quatro folhas ao vento. Vou ter com eles, todos eles.
Compreendo agora que não é preciso um curso de medicina para saber que as mais agonizantes doenças que padecemos, curam-se com um abraço, uma aspirina e a companhia dos que mais amamos.
Quando estas folhas pousarem à tua frente, se estiveres com ressaca de vida, toma uma aspirina e vai... Procura a companhia dos que mais amas e deixa que te abracem. Abraça também todos os que ainda poderão vir a amar-te.
Não desperdices o teu tempo na solidão, pois estarás numa sala de espera onde apenas morte virá, um dia, para te abraçar.

Filipe Lascasas

Para ouvir com: “Vaporous” - Elsiane