O Aviso foi lançado em milhares de papelinhos brancos, espalhados por um vento de Dezembro que cumpria a função de uma brisa primaveril. Sobre os casacos e sobretudos nevou o desafio: “A maior árvore de Natal do mundo será construída. Decorem-na com dependências, sonhos e frustrações”.
No primeiro dia, a decoração era tão feia quanto óbvia – centenas de maços de tabaco, seringas e caixas de anti depressivos compunham os ramos superiores da árvore. Mas reconheço que a combinação tinha o seu encanto.
Ao terceiro dia, 24 pintores juntaram-se e entregaram os seus pincéis e paletas de cores. A árvore ganhou vida. Exprimia-se por cores, chorava e ria. Os que passavam por ela paravam e questionavam: “O que será que quer dizer?”
Uns dias depois, foi a vez de alguns poetas rasgarem as folhas dos seus cadernos para taparem os ramos despidos da árvore. A árvore começou a falar. Muitos correram para assistir a tal fenómeno, mas a visita durava pouco tempo, perante o som ensurdecedor de tantas palavras. Os que fugiam dela, com as mãos nos ouvidos, gritavam: “Ouvi a árvore falar muitas coisas, mas o que será que ela queria dizer?”
Nos dias que se seguiram, a peregrinação de decoradores foi contínua e os ramos encheram-se. As dependências abanavam ao vento e assobiavam cantos de sereia. Os sonhos acendiam-se e apagavam-se numa intermitência tão acelerada, que quem os via, questionava se os tinha visto mesmo iluminados. As frustrações assumiram a forma de cartas dirigidas a um homem de barbas brancas e vestes vermelhas, inventado por um refrigerante.
Na semana em que todos os comerciantes sorriem, a árvore estava tão cheia que quase tombava. Milhares de pessoas viviam à sua volta, olhando para ela quase sem se mexerem. No entanto, o olhar contemplativo que a imponência da obra deveria provocar, foi substituído por um outro, vazio e desesperado...
No dia 23, uma leve brisa transformada em vento de Inverno, chocou contra a árvore e um maço de tabaco caiu ao chão. Um homem de trinta anos com aspecto de cinquenta, começou a tremer no meio da multidão e numa convulsão contínua, correu para a árvore. Abriu o maço e a tremer acendeu um cigarro. Os outros viram o fumo branco e correram para a árvore como se fugissem de um incêndio. Em segundos, criou-se um cenário ainda mais deprimente do que as filas de caixa dos centros comerciais, nascidas na mesma altura... Velhinhas atropeladas, crianças a chorar, mães à procura dos filhos, pais esquecidos de que tinham filhos... Arrancavam decorações da árvore com a força que utilizariam para desmembrar alguém. Amealhavam dependências estranhas, coleccionavam frustrações alheias e pisavam sonhos que outros haviam sonhado.
Apesar do caos, todos abandonaram o lugar com um olhar brilhante e feliz. Muitos ainda falaram em usar a árvore para lenha, mas já não havia tempo, as lojas estavam prestes a fechar.
Às onze horas do dia 24 de Dezembro a árvore estava depenada. Nem uma “pinha” de frustrações; nem um emaranhado de dependências; nem uma fiada de sonhos intermitentes piscava...
Porém, a estrela permaneceu. Ninguém a retirou. A maioria acredita que foi por estar alta de mais, mas alguns questionam se quem lá a pôs, precisava realmente dela.
Filipe Lascasas
P.S. Aos amigos do Diário de Aveiro que até na noite de dia 24, decoram páginas com palavras.
Tu és GRANDE!!!! As tuas histórias são geniosas, e o teu talento é inquestionável e grandiosos!!! Força nisso, esperamos poder ler aqui muitas mais histórias!Solta essa creatividade infindável...a partir de agora, é sem parar e sempre a abrir! Tenho muito orgulho em ti!! só tenho pena não ter lido todas as histórias antes! :) Manda o script pelo estafeta! beijocas Jessi
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