Não interessam as razões... Há muito que queria morrer.
A vida é uma espiral descendente, onde a cada volta desaparecem a alegria, a novidade, a emoção, a aventura. A rotina é o ponto onde a espiral acaba.
O oncologista escandalizou-se com o sorriso que esbocei quando me disse que tinha um tumor alojado no cérebro... Consegui atraiçoar a espiral.
De repente, a sociedade tornava-se condescendente e simpática para comigo. Levantava-se para me dar lugar, sorria-me, oferecia-me tudo aquilo que me havia privado: dinheiro, tolerância, tempo.
Tentei reunir-me com todos os que me eram próximos mas estavam todos perdidos nas suas espirais. Depois, iniciei uma viagem sem regresso pelo mundo. Senti-me privilegiado, era alguém a quem tinha sido dada a oportunidade de procurar algo para o qual normalmente não se tem tempo: razões para viver. Iniciei, no entanto, a viagem com cinismo, concentrado em desfrutar em pleno da ausência de ansiedade que é fazer a mais tranquila das procuras – aquela em que se sabe, à partida, nada haver para encontrar.
Estava no meio do mar Adriático quando um marinheiro entrou pelo meu camarote a gritar:
- Venha ver isto!!
No início pensei estar a assistir a uma catástrofe natural. As imagens à minha frente fugiam a tudo o que a vida me habituara a tomar como realidade. Então, o capitão com a sua voz serena e bem real puxou-me e disse:
- Incrível como há quem consiga matar estas criaturas…
Eram baleias. Dançavam à tona da água. Não é metáfora, dançavam mesmo! Por momentos jurei ouvir Vivaldi, enquanto as suas barbatanas chapinhavam na água e os seus dorsos rebolavam, harmoniosamente, em sincronia. Não sei o que festejavam mas estavam felizes. Foi a coisa mais bela que assisti em toda a minha vida.
Enquanto jovem cientista utilizei muitas vezes a expressão “sinfonia do acaso” para descrever os fenómenos e as incríveis coincidências manifestadas na natureza… Naquele momento, percebi que não há coincidências. A vida é uma sinfonia, tocada baixinho. Todos participamos nela, mas só alguns a ouvem e dançam.
Um marinheiro foi buscar a flauta transversal que tinha no seu camarote e ao som de Vivaldi, baleias e humanos, todos dançámos.
À noite, na minha pequena cama, escrevi num bloco de notas:
“Razões para viver” por Filipe Lascasas:
1- Dançar como as baleias ao som de Vivaldi.
No momento em que desembarquei, senti que a minha procura havia mudado. Não foi uma sensação boa... Não há pior momento na vida de um cientista que o testemunho de um fenómeno que contraria todas as suas teorias e convicções. Mesmo que não o digam, sentem-no como um castigo do universo pelo ofício de provar que a fé e os sonhos de muitos são falsos e infundados.
É nessa margem - onde a teoria e o facto terminam, para dar lugar à fé - que a ciência se encolhe e molha os pés na religião.
Se além de factos e teorias, não temos também qualquer tipo de fé, somos a mais perdida das criaturas e não dançamos.
É nessa margem - onde a teoria e o facto terminam, para dar lugar à fé - que a ciência se encolhe e molha os pés na religião.
Se além de factos e teorias, não temos também qualquer tipo de fé, somos a mais perdida das criaturas e não dançamos.
Também eu, nesse momento, senti o peso dos dias que me restavam…
Por que razão dançavam as baleias?
Por uma questão de fé continuei a viagem, acreditei que no tempo de vida que ainda tinha, encontraria uma resposta.
Quando cheguei a Paris, as dores de cabeça acentuaram-se. Passei a transportar uma prensa dentro do meu crânio. Todos os dias, com uma regularidade mecânica, apertava o meu cérebro. Estava a morrer.
Entrei na estação de metro de Champs Elisé e vi uma rapariga junto às escadas. Era linda. Cabelos lisos, pelo ombro, pele de porcelana e uns olhos enormes, verdes; tão límpidos que quase faziam acreditar que Deus comete os mesmos exageros de um pintor amador quando – orgulhoso de uma obra – não pára de a retocar. Estava com um rapaz, mas ainda assim, olhou para mim e lançou-me um sorriso.
A minha vida foi bonita. Parei de viver entre os vinte e três e os trinta e três anos mas hoje festejei a vida. Dancei com as baleias.
Por entre tubos e balões de soro e oxigénio abri um bloco de notas de escrevi:
“Razões para viver” por Filipe Lascasas:
1- Dançar como as baleias ao som de Vivaldi.
2- Apaixonarmo-nos.
Filipe Lascasas
Au Revoir Simone – The Lucky One
Felizes os que descobrem as razões para viver...durante muito tempo pensava que não tinha razões para continuar neste mundo...por sorte escolhi a vida...e ainda bem!!!! Não vi ainda a dança das baleias, mas senti algo que me manteve e mantém viva...a certeza de que vale apena viver!
ResponderEliminar-... Sorrir, chorar... Simplesmente, sentir!
ResponderEliminarOra comentar... comentar... começão a ser difícil ter o que escrever... acabo de ler uma história e penso que não vais escrever melhor mas depois superas todas as expectativas!
ResponderEliminarSinto um orgulho enorme em ser tua amiga e ter a possibilidade de ler a tua arte!
Certamente que num futuro próximo direi com o mesmo orgulho que sou amiga do famoso escritor Filipe Lascasas!
Espero que continues a ser o Ser Humano maravilho que és!
Beijo*
Cáti
Linda, como tantas outras.
ResponderEliminarLINDA.
A minha razão para viver?
OUVIR E DANÇAR.
Permites-me que acrescente um outro verbo?
SENTIR...
ADORO!
PS