domingo, 21 de março de 2010

Su Ming deve viver.



Tibete, 10 de Março de 2003

O planeta deveria ser divido em dois. Ou já está... Eu fugi para a outra metade.
Durante vinte e cinco anos comandei exércitos e amealhei seguidores porque não sabia seguir ninguém -apenas a minha raiva. Confundiram o meu ódio com determinação, o meu medo com coragem; fui uma bússola estragada durante um quarto de século, guiando milhares de almas até à sua perdição.
Quando a minha raiva, o meu ódio e o meu medo deixaram de asfixiar a minha memória, fugi. Cavalguei até os meus cavalos morrerem, naveguei até o oceano engolir o meu barco, corri até os meus joelhos tocarem a neve deste chão onde me encontro. Vivi aqui até agora. Deitado nesta neve, vi os símbolos do zodíaco darem dez voltas completas às duas metades do planeta, mas o vento trouxe-me uma notícia que me obrigaria a voltar...
Su-Ming havia sido raptada pelos meus (e)ternos inimigos, um novo exército esperava as minhas ordens...
Parti para a guerra, na outra metade do planeta, sozinho. Su-Ming era a minha bússola e eu não deixaria que a agulha do meu amor guiasse mais almas para uma morte certa.
Desenterrei as minhas espadas da neve, derreti a minha armadura reluzente, gravada com um nobre brasão de raiva e ódio e deixei que as deusas do amor forjassem uma nova, à volta do meu coração.
As minhas espadas voaram no caminho para o castelo negro onde prendiam Su-Ming. O meu sangue confundia-se com o de centenas que deixei para trás, a contemplar pela última vez, os símbolos do zodíaco. Caminhei de armas em punho até à torre onde Su-Ming se encontrava e deparei-me com o pior dos inimigos - aquele que conheceu as nossas espadas não no campo de batalha, mas na intimidade do nosso lar.
A luta durou horas, pois ele antecipava todos os meus golpes e atacava todos os meus pontos fracos.
Segui, por fim, as ordens do general que bombeava dentro de mim o sangue que me restava.  Virei costas à luta. Corri para a porta que encerrava Su-Ming na escuridão e num só golpe, quebrei as correntes que a impossibilitavam de voar. O meu maior inimigo enterrou a sua espada - forjada pelos meus medos e confissões - nas minhas costas.
Boiava no agora límpido, oceano do meu sangue, quando vi Su-Ming ocultar com as suas asas os símbolos do Zodíaco, meus companheiros nas duas metades do planeta.

Quanto a ti, caro soldado amigo que me seguiste até este lugar, se algum dia contares a minha história a alguém, termina-a com estas palavras: “Precisamos de um exército quando somos levados para a batalha pelos cavalos da raiva. Nas asas do amor, mil exércitos habitam em nós.”

O General morreu. Su-Ming está livre.

Filipe Lascasas


Hans Zimmer - Injection

4 comentários:

  1. Só agora cheguei aqui...

    ...mas nunca é tarde demais, certo?

    ResponderEliminar
  2. Nunca! Ainda há muitas histórias por contar...
    Bem-vinda.

    ResponderEliminar
  3. Lindo de morrer e chorar por mais!
    é um raio de luz neste período da minha vida.

    ResponderEliminar