domingo, 2 de maio de 2010

Estrela cadente



- Aumenta o volume!
- NÃO DÁ MAIS!
Desfizemos o alcatrão rumo à grande cidade onde ela morava, a 1000 decibéis por hora. Havia chegado o momento. Demorei a decidir-me mas agora tinha tudo pensado. Não diria uma palavra. Iria direito ao assunto, mostraria os meus sentimentos por mímica, deixaria a minha sombra e o meu olhar falarem por mim. É assim que os poetas dizem que se deve fazer. É assim que acontece nos filmes bons.
- Adoro a velocidade! Acalma-me, penso mais devagar...
O acelerador desceu ao mais fundo dos meus pensamentos e eu encontrei-me. Estava feliz, em contacto com a minha alma. Estava consciente do que queria, daquilo que o destino que me havia reservado. Estava apaixonado mas mantinha-me calmo. Já tinha tido muitas paixões para garantir que nada corria mal.
Pedi-lhe que ficasse no carro. (Como todos os grandes amigos ele não quis deixar de estar presente neste grande momento, mas tinha de ir sozinho.)          
Estava tanta gente no edifício que meti as rosas numa caixa e caminhei de olhos fechados. Ninguém poderia saber que eu estava lá, ver o meu olhar denunciador.
Ela estava no fundo da sala, lindíssima, resplandecente, como eu sabia que ía estar. O sol ainda não tinha desaparecido e ela era já uma estrela, obscurecendo o salão com o seu brilho. As estrelas são assim... Relativizam a escuridão tanto como a definem, ao perfurarem o céu sem o romper.
Estive duas horas a admirá-la. Esperando a oportunidade certa, um momento único em que pudesse estar a sós com ela. Por fim, tal como os padres e alguns poetas prometem, o destino compensou-me e levou-a, sozinha, para uma enorme varanda no último andar.
Os raios de sol que desaparecem no mar quando ele se põe, criavam uma aura linda à sua volta. O vento acariciava o seu cabelo comprido, confortando a solidão que sentia, quase anunciando às escondidas que a mágoa estava prestes acabar. Quase me denunciando.
Pus a caixa das rosas por baixo do braço e caminhei para ela. Senti aproximar-me do paraíso, ou daquela luz que as pessoas vêem quando vão morrer mas depois algo corre mal e vivem. Ela virou-se e sorriu.
Abri a caixa e deixei-a cair. Depois, com as rosas na mão, aproximei-me lentamente e fixei-lhe o olhar. O límpido oceano dos seus olhos fez-me boiar na sua direcção. Toquei-lhe levemente na face e pedi-lhe desculpa. Contive as lágrimas e deixei cair as rosas. Ela olhou para baixo e não conteve as dela. Levantei a arma, encostei o silenciador contra o seu coração, senti-o bater duas vezes e disparei uma única bala. Dizem que o Cupido faz o mesmo.  
Desci as escadas e caminhei uns metros, em direcção à cabine telefónica que havia designado. O céu estava lindo, preenchido pelas estrelas que ignoram a escuridão e surgem quando o sol ainda não desapareceu por completo - as mais bonitas.
O envelope com o dinheiro lá estava, na letra "T" da lista telefónica, como combinado... Costumo cobrar mais, mas esta era diferente.

Filipe Lascasas

À Daniela, pela letra T.





Robert Francis - Junebug

8 comentários:

  1. Confesso que me sinto um pouco atordoada, mas esta tua história, recheada de inebriada paixão que culmina em morte vermelha, vermelha como as rosas...
    Belissimo!!!

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  2. De facto, atordoada é uma boa palavra para descrever o estado de espírito de quem chega ao final desta história... deixaste-me de queixo caído! (como sempre mas hoje mais!)

    Beijos
    Mi*

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  3. Nunca há bonito sem feio ou doce sem amargo...adorei a ironia "daquela luz que as pessoas vêem quando vão morrer mas depois algo corre mal e vivem". Espectacular!

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  4. É provável que não cheguem a ler isto, uma vez que faz pouco sentido voltar a ler comentários que fizemos de "coração quente". Porém, por respeito ao ímpeto que me leva a escrever todas as semanas, deixo aqui o meu testemunho de gratidão pelos vossos comentários e que nesta "janela" específica, vêm (e virão?) de pessoas que (me) são tão especiais.

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  5. Venho cá sempre ler os teus agradecimentos! Mas sou eu quem tem sempre a agradecer pelos momentos de leitura em que me esqueço do mundo! Ler as tuas histórias é uma necessidade, um vício do qual não reabilitação possível!
    Obrigada por seres quem és e por partilhares o teu dom!
    Mi*

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  6. FANTÁSTICA.
    Adorei.

    PS

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  7. Tou sem palavras...lindo,lindo,lindo...não dá pa conter as lágrimas pq csgs fazer-nos sentir mm a história... e eu tb volto sp pa ver os teus comentários e concordo q nós é q temos q te agradecer por partilhares este teu dom conosco!!!
    adoro-te! Saudades,beijinhos

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