segunda-feira, 21 de junho de 2010

Obrigado Jogador nº47




O Tom Cruise, o Beckam, o Ronaldo, o Eusébio, a Catarina Furtado, os ministros, os deputados, o primeiro ministro, o Presidente da Republica, os Reis de Espanha e uma quantidade de gente realmente importante, fizeram questão de comparecer naquele dia glorioso.
O estádio estava lotado e tudo estava preparado para a despedida do grande Capitão. Era tal o brilhantismo com que conduzia a sua equipa que alguns chamavam-lhe “O Timoneiro”. Ele, com a modéstia que lhe iam permitindo, recusava tal alcunha e fazia questão de vestir uma camisola igual à dos outros, com um número maior que o seu nome.
Foi o primeiro a entrar no relvado, como sempre; não para ser o primeiro a receber aplausos mas porque simplesmente nunca havia conseguido em toda a sua vida, ser pontual - chegava sempre antes da hora. Era comum nunca ouvir aplausos antes de os merecer, por se antecipar ao público.
Naquele dia, porém, já toda a gente lá estava quando ele entrou. O estádio tremeu literalmente com as palmas dos milhares de espectadores presentes. O barulho ensurdecedor da homenagem e da glória durou 26 minutos e 59 segundos, a maior ovação contínua de toda história, com honras de recorde do Guiness.
O capitão chorou - os capitães choram sem medo.
O primeiro-ministro desceu ao relvado e entregou-lhe uma medalha juntamente com um pedido de desculpas pelo governo tardar em reconhecer o seu mérito e contributo para a pátria. Ele disse que não levava a mal, mas é opinião deste comentador que não se sabe até que ponto o medo de ser prejudicado na Segurança Social foi mais importante do que a sinceridade da sua opinião. O capitão era um homem sincero, mas como todos os homens (contribuintes) tinha medo.
Depois, todos os seus colegas de equipa o abraçaram comovidos – os soldados choram por capitães que choram por eles.
Mal o apito soou, ele entregou-se à suas tarefas, com o profissionalismo e a concentração de sempre. Fez o que fazia melhor - jogou, fez jogar, criou oportunidades, moralizou a equipa. É sabido que o seu treinador estrangeiro possuía também um longo e brilhante currículo de troféus, um carisma e uma fama invejáveis. No entanto, o capitão era de tal forma um timoneiro que o treinador pedia-lhe sempre opiniões e conselhos... As “más-linguas” dizem que o treinador deve parte do seu sucesso ao Capitão, mas em nome da verdade jornalística e desportiva, acho que tal não é de todo verdade; por muito que admire o Capitão e por mais dividas que lhe deixem.
Todos no estádio se emocionavam a cada golo... 
“Epá, eu sei que não é suposto gostar de sofrer golos, mas o privilégio de sofrer dois golos do capitão foi uma honra inesquecível.” – Comentou o guarda-redes da equipa adversária à entrada para os balneários.
Ao fim dos 90* minutos todos foram unânimes em reconhecer que o jogo tinha sido memorável e de grande qualidade. O capitão saiu em braços, levado pelos seus colegas e adversários. O Tom Cruise, o Beckam, o Ronaldo, o Eusébio, a Catarina Furtado, os ministros, os deputados, o primeiro ministro, o Presidente da Republica, os Reis de Espanha e algumas pessoas verdadeiramente importantes, fizeram questão de o esperar à entrada do balneário para lhe fazerem uma vénia.
O capitão chorou novamente.
À medida que abandonava o estádio (em transportes públicos) recebeu um aplauso ainda maior que o primeiro. No entanto, os senhores que registam os recordes (e que deviam ter aparecido noutras alturas) haviam já ido embora.

Era assim que devia ter sido, mas não foi.

O meu pai reformou-se após cinquenta e dois anos de trabalho, o triplo da carreira de um jogador de futebol. Como sempre, foi o último a sair do trabalho, por isso não havia ninguém a bater palmas quando finalmente abandonou o relvado.

Filipe Lascasas

*(90 x 0,57777)



Boondock Saints – The Blood of Cuchulainn

2 comentários:

  1. Belo "jogo" este, com um comentário inteligente, perspicaz e sábio...meteste o Ronaldo e afins num chinelo!

    Beijinhos

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  2. Que bonito elogio, verdadeira elegia...

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