quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Um bar frente à ria.



“Todos os dias são separadas à nascença, almas criadas de mãos dadas. Poucas enganam o destino da eterna separação... Vagueiam pelo mundo, procurando mesmo sem saber, alguém que nunca viram.”

Filósofo Indiano.

Sexta-feira, 13 de Fevereiro
Saiu cedo do emprego e acelerou para ela, procurando nunca travar. Chovia muito, mas só percebeu isso quando lá chegou e ela não estava. Caiu na única cadeira que encontrou e secou o espírito com a mesma bebida de sempre, invejando o namoro entre o vento e as águas da ria, até as portas se fecharem.

Um dia antes.

Entrou no bar, olhou para todas as mesas e sentou-se ao balcão.
Sabemos que entramos demasiado cedo num café ou num bar quando os empregados nos perguntam “o que queremos” a mastigar o jantar. Ela pediu a mesma bebida de sempre a alguém que mastigava e camuflou a expectativa com um sorriso. Sempre que alguém abria a porta, olhava para trás, mas ele nunca chegou.
Pediu um último copo, olhou para a janela e partilhou a sua solidão com as águas da Ria.

Ele saiu tarde do emprego e caminhou para o bar. Pediu um vinho do Porto e procurou-a. Quando as portas se fecharam, viu no balcão um copo de vinho do Porto quase vazio e percebeu que ela já tinha ido embora. Camuflou a desilusão com um sorriso, olhou para a janela e perguntou à Ria se a tinha visto.

Dois dias antes.
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Dois amigos convenceram-no a ir beber vinho do Porto a um bar, de costas para a ria. Era o seu dia de folga, por isso jantou cedo e decidiu quebrar a rotina, fazendo pedidos a empregados de bar que ainda mastigavam o jantar. Olhou pela janela de um bar demasiado pequeno e viu uma rapariga sentada ao balcão. Ela olhou para trás quando a porta se abriu e de forma involuntária esboçou-lhe um sorriso pouco camuflado. Ele retribuiu, voluntariamente.
Os amigos estragam certas ocasiões. Naquela, disseram-lhe que ali não tinham lugar e apesar de ele saber que havia encontrado o seu, acabou por beber vinho do Porto solitariamente acompanhado, de frente para a ria. 

Ela pediu mais dois copos de vinho do Porto e continuou a sorrir. Acreditou que ele voltaria…Havia lugar.

Sexta-feira, 13 de Fevereiro.
Sabemos que saímos demasiado tarde de um bar quando os empregados nos perguntam se “queremos mais alguma coisa” a bocejar. Ele pediu um último copo a alguém que bocejava e reencontrou-se com a chuva.

Ela decidiu jantar mais tarde e quebrar a rotina, pedindo um copo de vinho do Porto a alguém que já estivesse a bocejar. Quando a porta do prédio se fechou, percebeu que chovia muito e voltou para trás para pegar num guarda-chuva. Descobriu nessa altura que havia deixado as chaves na fechadura da sua porta e nada mais havia a fazer senão namorar com a chuva.

Pouco depois do dia a seguir.

Já passava da meia-noite quando ele voltou a casa. Tentava limpar em vão a água que lhe escorria da cara quando a viu, em frente à porta do seu prédio...

- Há alguma razão para estares a namorar com a chuva a estas horas?
- Sim... Deixei as chaves lá dentro.
- Por incrível que pareça, eu tenho uma chave que abre essa porta.
- Por incrível que pareça, tinha essa esperança.

Subiram no elevador em silêncio, tentando camuflar sorrisos. Quando o elevador parou, no andar onde ele vivia, ela limpou-lhe a cara com uma das mangas da camisola e ele beijou-a.
Ela não voltou ao seu apartamento, dois andares a cima. Deram as mãos da mesma forma como foram criados e adormeceram ao som do vento que batia na persiana.



Filipe Lascasas


P.S. Nos últimos 14 anos vivi em 11 casas.
Numa delas viveu uma menina chamada “I”. Apesar de não ser necessário nem  sequer conveniente, tornou-se minha irmã. Na altura, escrevia coisas de menina que pareciam de mulher. Hoje, mulher, escreve coisas que parecem (são) de génio.



Mazzy Star – Fade into you

5 comentários:

  1. Oh (não vou usar o nome em que carregava no i para te nomear, mas tu sabes qual é), que até me vieram as lágrimas aos olhos e ainda escorrem! Desculpa ser lamechas no teu blogue... Não te posso agradecer mais por tudo o que foi partilhado numa dessas casas. E não posso agradecer mais este conto que me refaz de tudo o que é sentimento. Só uma coisa a dizer: muitas saudades de ser a tua irmã e de ler páginas A4 em primeira mão. Mas de certeza que terás pessoa mais digna desse privilégio, agora, anos mais tarde. À 00.29 de uma noite fresca parisiense, viajei do futuro para o passado e voltei... mais completa. Desculpa mais uma vez se disparatei no teu blogue, mas fui completamente apanhada de surpresa. Se há um génio aqui, és tu.

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  2. Porto, Lisboa, Paris, Amesterdão, Bratislava, Barcelona, Praga, Roma, Siena, Budapeste, Zagrev, Lille, Marselha, Nice, Madrid, Veneza, Florença, Viena... Sei que como eu, escolhes sempre um só sítio para o qual realmente voltas. ;) Beijinhos.

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  3. Uma história... bem! nem sei que adjectivo utilizar...
    Sente-se, em cada letra, um dos sentimentos mais cobiçado do mundo (espero!) carinho.

    Parabéns Las... és o meu príncipe :)

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  4. Beijos muitos! Digo-te até breve, no Outono da nossa capital ;-)

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  5. O meu coração ficou tão quentinho com mais esta tua formidável história. Os desencontros que se querem encontrar acontecem tantas vezes, mas quando queremos algo com muita força, o universo conspira para tornar "aquele" momento em realidade.
    Beijinhos :)

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