sábado, 16 de outubro de 2010

O Tesouro veio à tona


Alexandre saiu da prisão com trinta e três anos e uma “missão”.
Afirmou, até ao dia da sua morte, ter tido uma revelação divina… Havia-lhe sido confiada, por “deus em pessoa”, a difícil tarefa de roubar o maior tesouro da Humanidade moderna.
Demorou dois anos a encontrar os cúmplices perfeitos e mais três a convencê-los. A vinte e dois de Agosto, havia reunido a melhor equipa de ladrões de sempre, todos filhos de deus.
Planearam com minúcia e requinte, o plano de assalto. A combinação para o cofre jazia a 665 metros de profundidade da base da Estátua da Liberdade, em Nova Iorque. O tesouro, esse, havia sido guardado na cave de uma casa cheia de histórias negras, ironicamente conhecida por “Casa Branca”.
Viajaram de barco. Viram o sol desaparecer várias vezes no mar e falaram de como a Humanidade seria, após o tesouro estar destruído.
Dormiram duas horas após a chegada e preparam-se para o assalto.

- Que deus nos ajude e a Humanidade nos abençoe.

Pedro, o especialista em informática, usou um vírus tecnológico para destruir os sistemas de alarme. Contaminou os computadores, a internet e a televisão com imagens de pessoas a passearem em jardins, amigos a jogarem às cartas e conversas à luz das velas.
Luis, especialista militar, desarmou os guardas colocando cravos vermelhos nos canos das suas armas (uma técnica antiga mas sempre muito eficaz).
A tarefa mais difícil cabia a Alexandre – a abertura do cofre. Para não correr o risco de fragilizar ainda mais os alicerces da Estátua da Liberdade, propôs-se descobrir sozinho a combinação do cofre.
Ficou sentado durante sete minutos em frente à porta. Depois levantou-se, sorriu, revelou à fechadura o que realmente pensava sobre ela e abraçou-a num gesto fraterno e sincero.
(Ninguém se lembraria de tal combinação).
O cofre, desarmado, abriu-se e despejou lágrimas encerradas durante anos em paredes de aço. O tesouro estava à vista de todos e brilhava com a intensidade de mil milhões de almas.
 
Quando o assalto se tornou público, as pessoas pararam de se empurrar e saíram à rua, abandonando os seus empregos. Já os líderes das “grandes nações” uniram-se, para perseguirem pessoalmente os assaltantes.
Alexandre, Pedro e Luis fugiam de bicicleta por milhas de alcatrão e as pessoas, sorridentes, atiravam-lhes flores e davam as mãos, dificultando a tarefa dos perseguidores. O mundo moderno parou e o alcatrão foi coberto de pétalas.
Avistavam já o oceano quando Pedro caiu. Luís cometeu o erro de olhar para trás e caiu também. Alexandre pousou o tesouro mas foi incapaz de os puxar. Os líderes destaparam canhões em ouro e lançaram sobre eles milhares de barris de petróleo.
Com os ossos praticamente esmagados, Alexandre ergueu-se e viu os seus cúmplices prostrados em pétalas tingidas de negro.

- Rende-te, devolve-nos o tesouro e serás poupado!

Ignorando os avisos, abraçou o tesouro com todas as forças e saltou para o oceano. No segundo seguinte, vinte e oito balas correram na sua direcção e apenas uma lhe fugiu do peito, perdendo-se na atmosfera.
Enquanto descia às profundezas, esvaindo-se em sangue, deixou finalmente a preciosa Ganância desprender-se dos seus braços e viu um tumulto iniciar-se no mundo subaquático… Os peixes pequenos empurravam os seus semelhantes para a boca dos peixes grandes e os peixes grandes eram comidos por peixes maiores. Passado algum tempo, a água começou a borbulhar e a Ganância veio à tona, boiando por entre espinhas, sangue e milhares de peixes que morreram por comerem demais.
Recolheram-na com uma rede e devolveram-na ao sítio certo.

As pétalas apodreceram no alcatrão e as pessoas ficaram sisudas. Regressaram aos empurrões e fizeram filas de trânsito... Tudo voltou à normalidade.

Filipe Lascasas


Dead Can Dance – The Host Of Seraphim

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