sábado, 21 de agosto de 2010

Filhos de um deus Maior



Cometeu o maior dos pecados mas viveu. Viveu muito bem.
Um dia porém, perante a visão de uma morte antecipada, tremeu. Quis ser perdoado, quis a sua redenção.
Descobriu – passados uns anos de intensa procura no mercado – que a Redenção tinha um preço mas não estava à venda. O melhor que conseguiu foi um orçamento duvidoso, impresso em letras douradas, lá para os lados de Roma.
Enviou e-mail’s a Maomé, Buda, Jeová, Mórmon, Alá, Jesus e muitos outros, mas nenhum lhe respondeu. Desesperado, pôs um anúncio no jornal:

“Ofereço uma fortuna a quem me vender a Redenção”

Passado um dia, encontrou uma única carta na caixa de correio que dizia:

“Entrega o que tens de mais precioso.”

A carta não tinha remetente e a mensagem tornava-se assim clara…
Saiu de casa e entregou as chaves dos seus carros às primeiras pessoas que lhe apareceram na rua… Durante os meses que se seguiram, a sua vida rodou em torno do complexo processo logístico de se livrar de todas as posses.
Quando entregou as chaves do condomínio onde viva (sozinho) a uma instituição de deficientes profundos, deu o seu plano por terminado. Sentia-se mais vivo do que nunca mas não redimido. Caminhou até à praia e esperou. Esperou pela Redenção.

A Redenção não chegou.

Ao fim de três meses, sem dinheiro, de roupas sujas e com fome, decidiu voltar à sua antiga casa que na realidade, eram várias, ligadas por corredores…

- Por favor deixem-me ficar aqui. Não tenho para onde ir. Preciso apenas de uma cama e comida.
- Tudo isto pertence-lhe, claro que pode ficar. No entanto, se quiser comer vai ter de trabalhar como os outros… Tome um banho e descanse. Começa amanhã.

No dia seguinte, conheceu ao pequeno-almoço os voluntários com que iria trabalhar. Dois meninos, com um olhar tão assustado como o dele mas muito mais brilhante…
- Eu sou o Filipe e ele é o Luís… Como te chamas?
Ele disse o seu nome e perguntou-lhes a idade.

- Eu tenho dezassete anos e ele tem quinze. Eu quero ser escritor, ele quer ser engenheiro. E tu?
- Eu quero ser perdoado.
- Nós também.

Os gritos fantasmagóricos e aleatórios, disparados ao silêncio da noite em que chegámos, mantiveram-nos acordados e alimentaram a nossa imaginação – uma das melhores amigas da insónia. No entanto, nada nas nossas vidas nos havia preparado para o que vimos depois do pequeno-almoço...

Para nós, um “deficiente” era a imagem de um miúdo com o síndrome de Down a pedir donativos de uma forma muito enternecedora, nos intervalos comerciais da televisão. Naquela sala, nenhum miúdo pedia o que quer que fosse. Naquele sítio, as deficiências eram tal e qual o que anunciavam – profundas... Braços nascidos fora do sítio, cabeças de tamanhos impossíveis, orelhas ausentes e outras partes tapadas com lençóis – a esconder o que nem a imaginação, na pior insónia, poderia vislumbrar: a existência de vida no improvável. 
Limitavam-se a permanecer onde os deixavam, nas suas cadeiras de rodas. Babavam-se e de vez em quando, gemiam.

As funcionárias ignoraram-nos durante a primeira meia hora, trocando risinhos de escárnio e fazendo analogias mórbidas entre a nossa palidez e os sanitários onde lhes davam banho. Depois mandaram-nos trocar a roupa das camas.
Quando embrulhámos o último lençol sujo, chamaram-nos para o pé delas. Os miúdos estavam em “tronco nu”, com pequenos sacos presos à barriga – onde caíam as fezes. Quando o Luís trocou o segundo saco perdeu a frieza e vomitou. Eu chorei o tempo todo, baixinho. Já ele, permaneceu calado e fez tudo o que lhe mandaram.

I

Ao fim de treze dias, havíamos conquistado a mesma frieza das funcionárias. O segredo era a rotina: acordar, tomar banho, comer o pequeno-almoço, ir trabalhar à hora de exacta, lavar as mãos todas as vezes em que nos distraíamos a dobrar um lençol, tomar banho para lavar a comida cuspida e pendurada no cabelo, almoçar, voltar ao trabalho, deitá-los com a medicação, jantar à hora do lanche, ir para a cama à hora do jantar, adormecer a tentar reconhecer os nomes por trás dos gritos, dormir.
Ele foi o primeiro a quebrar a rotina. Começou a olhar intensamente para os olhos dos miúdos e a falar com eles. Na hora do nosso “banho da comida”  e do almoço, continuava a conversar com eles.
Começou a ser habitual ver imensas caras novas e pálidas, logo pela manhã, com olhos que não chegaram a adormecer, a tentar visualizar o que a imaginação projectava dos gritos na noite e de um sítio que não conheciam. Entrou na rotina fazer a contagem dos resistentes, das caras que se iriam repetir no dia seguinte, das malas feitas e à espera, na recepção, durante a tarde. Tornou-se comum ver poucas caras repetidas.
Havia mais alguns, mas naquele Verão, as caras que permaneceram, dia após dia,  chamavam-se Maurício e Alex. Não trabalhavam na nossa casa mas numa mais à frente. Traziam guitarras e treze dias após chegarem, conseguiram criar a rotina de as tocar na nossa varanda.
Passado um mês, entrámos todos numa nova fase. Uma a que (quase) nenhuma funcionária conseguia chegar – eternamente perdidas que estavam nas suas rotinas, nos turnos de meio dia e no mundo ao qual voltavam – lá fora. Passado um mês, sem televisão (e tudo o resto que entretanto surgiu – como aqueles aparelhos que não mais nos fariam ter enfiar um cartão de plástico numa cabine telefónica), vivíamos num estado diferente... A rotina desapareceu, ou, pelo menos, deixou de ser uma daquelas conscientes – que criámos quando viajámos para longe. Deixámos de viver num hotel e tornámo-nos residentes. Voltámos a viver.

Algumas coisas tinham mudado. Uma delas era a forma como passámos a conversar com os residentes mais antigos da nossa nova casa. Já não me cuspiam a comida...
O Emiliano, o “Cowboy” e o Zé Maria, indicavam-me com os olhos, o lado por onde queriam que lhes desse a comida. O Rolando – que nascera sem olhos – apertava-me a mão, sempre que havia acabado de mastigar e tinha espaço (ou vontade) para mais uma colherada...
Muita coisa havia mudado. A principal era que nos havia sido concedido o dom de ver anjos e almas através de olhares.

Um cirurgião disse-me um dia – como estímulo para um bom ambiente na mesa – nunca ter encontrado uma só alma na ponta do seu bisturi. Eu calei-me, deixei-o gozar o momento e ri-me (por dentro) porque durante uns dias, em Agosto de 1996,  recebi o diploma dessa proeza. O diploma de reconhecer a existência de alma num corpo, por mais desfigurado ou profundamente improvável que fosse.

Desde que entravámos nas casas, até ao momento em que os deitávamos, mantínhamos conversas intermináveis com olhares. Olhares que riam de piadas, brilhavam quando entrávamos na sala, mostravam preocupação e arrependimento quando um espasmo muscular projectava um murro nos nossos queixos ou entornava a sopa.

Calei-me sempre e ainda rio, por dentro, para não estragar o bom ambiente de um jantar.

II

O Director do centro era um padre salazarista, mais velho que o próprio salazar e que (como ele) se achava Director do mundo.
Às cinco da tarde, depois dos comprimidos e do banho tomados, íamos com todos os miúdos para a capela do Centro, ouvir a missa. Era uma rotina que ele impunha.
Por mais complexo que fosse o processo de levar e acomodar vinte mancos e quarenta cadeiras de rodas numa sala demasiado pequena – cheia  de cruzes e bancos de igreja feitos para pessoas com os membros em “sítios normais” – a  missa tinha de começar às cinco em ponto. Esse foi o único processo que as funcionárias nos transmitiram sem escárnio e com detalhe. Era o único em que não havia lugar à surpresa, à falha, ao imprevisto.
No primeiro dia, ouvi a missa com atenção. No segundo, ouvi a missa com espírito crítico. Nos treze dias seguintes, deixei de a ouvir e passei a tentar fotografar com a memória tudo o que acontecia. Procurava fotografar o cenário surrealista de um pobre velho proclamando em tom ditador e sempre apoteótico (quaisquer que fossem as escrituras), leis e ameaças – para uma sala desinteressada, alheia a tudo. Ria-me por dentro em todos os parágrafos – especialmente profundos – que eram seguidos de um gemido ou de um grito.

Passados apenas treze dias, já quase jurava que os gemidos e os gritos tinham um tom e um “timming” certeiros,  diferentes do habitual. Quase jurava que os miúdos gozavam com ele e comecei a acreditar que a humanidade seria bem melhor se todos gemessemos com escârnio das palavras proferidas por qualquer ditador no mundo.

Nas missas que se seguiram, rimos (muitas vezes por fora) e gemêmos - em escárnio - de todos os “pedaços de carne e osso” que a dado momento nas suas vidas, se acham dignos de representar deus na terra.
O velho não achava piada e incluiu – na sua missão apostólica – a tarefa de se livrar de nós. Colocou-nos todos os dias numa casa (que achava) ainda pior, com mais desfigurações, mais gritos, mais espasmos em forma de socos e cuspidelas.
Pouco a pouco, percorremos todas as casas, cada vez mais próximos daquela de onde vinham os gritos à noite. 

III

Ao fim de um mês, já nada na cerimónia tinha piada... Levávamos Deus a mancar e em cadeiras de rodas para uma sala e durante uma hora, obrigávamo-Lo a ouvir alguém falar de Si, sem direito a resposta. Durante uma hora, o padre falava do seu deus e a plateia era um outro – o verdadeiro.
Após as missas, levávamos os miúdos em grupos, de volta aos quartos. O padre retirava-se entretanto, para ir jantar ao santuário com os seus colegas de trabalho.
Sei que foi ideia dele mas não sei precisar o dia em que o fizemos pela primeira vez...
Íamos buscar o último grupo de miúdos que nos esperava na capela e ele veio ter connosco, em passo acelerado...

- Já falei com a funcionária. Peguem nos miúdos e sigam-me.

Assim fizemos. Quando passávamos junto à porta de emergência de um dos corredores que davam para a lavandaria, ele parou junto a uma porta de emergência, digitou o código do alarme (que ainda era o dele) e abriu completamente as portas – para que as cadeiras pudessem passar.
A porta dava para um pequeno terraço com vista para os vales. Quase os sobrevoava, como se fosse uma plataforma voadora que ganhava asas a cada passo que dávamos.
Sem combinar, sem trocar uma palavra, alinhámos os miúdos de frente para o vale e sentámo-nos ao lado deles.
Ao fim de quarenta e cinco minutos, a funcionária cúmplice abriu a porta e gritou:

- Está na hora!

Virámos as cadeiras e fomos pô-los a dormir, certos que a conquista da cumplicidade das funcionárias – que fariam os turnos dos dias seguintes – era um obstáculo fácil de transpor. E era. Qualquer uma delas já tinha presenciado o olhar de um miúdo quando, por alguma razão – a visita de um parente talvez – lhe era dada a oportunidade de ver o sol, de apanhar vento na cara.
Não sei precisar o dia em que os levámos lá fora pela primeira vez. Sei que foi ideia dele e que – uma a uma – conquistou a cumplicidade das funcionárias. Todos os dias, após a missa, levávamos os miúdos a ver o sol e a sentirem o vento na cara.
A nossa saída diária para o terraço assumiu contornos de uma cerimónia religiosa... Depois de alinharmos as cadeiras e nos sentarmos, todos permaneciam em silêncio absoluto. Durante quarenta e cinco minutos, independentemente dos miúdos que levávamos, não se ouvia um gemido, um osso estalar, um bocejo. Durante esse espaço no tempo, éramos um só, a falar finalmente com o nosso Deus. Éramos donos solitários e distantes do santuário de Fátima, em conversa com deuses que até a Virgem desconhecia.
O terraço era o verdadeiro santuário, e – queira Miguel Ângelo perdoar-me – a mais bonita capela alguma vez construída, onde a cúpula era realmente o céu e as nuvens eram realmente nuvens.
Ao fim de quarenta e cinco minutos, uma das funcionárias abria a porta e gritáva-nos para voltar – como sinos, no fim da missa de domingo.
Sem que ela nos visse, endireitávamos a cabeça e limpávamos a baba que nos escorria para o lado inclinado. Às vezes, se olhasse só para os miúdos, era difícil endireitar a cabeça imediatamente. Por isso, fixávamos o olhar na funcionária, concentrávamo-nos na sua postura – como referência daquela que se devia ter lá fora, no mundo “dos normais”.
A verdade, é que cerimónia após cerimónia, começámos a ficar menos competentes e rápidos a recuperar a postura, a limpar a baba. Para ele, isso estava a tornar-se tão difícil como para nós. No entanto, como líder, de olhos postos na funcionária – para lhe captar a atenção – empurrava a cadeira à nossa frente, o mais direito possível, mostrando-nos como fazê-lo. Seguindo atrás dele, íamos endireitando a cabeça e deixando de arrastar as pernas - que escondíamos atrás das cadeiras.

IV

Ele era o nosso líder. Poderia lembrar-me de uma lista interminável de coisas que o tornavam líder espontâneo e inquestionável, mas seria o mesmo que tentar elaborar uma tese a explicar porque algumas pessoas nascem bonitas e outras não.

Não sei se o dom da liderança está contido num cromossoma mas sei que nasce com certas pessoas. Uns nascem menos feios, com olhos “esverdeados” ou “azulados”. Outros, nascem profundamente bonitos, com olhos mesmo verdes ou mesmo azuis. Ele nascera profundamente líder, com um certificado de sucesso e a certeza de fazer fortuna – caso cometesse os pecados certos.
Quando se é profundamente qualquer coisa – bonito ou líder ou deficiente – as  melhores opções da vida apresentam-se em forma de pecados. Tudo é linear. Apenas desagradável caso optes pelo díficil...
Para os profundamente bonitos, optar pelo difícil é tornar-se feio por fora, deixar que apenas a alma comande o que a vida lhes entrega. Para os  profundamente líderes, a opção difícil é ser liderado. Para os deficientes profundos, a opção difícil é entregar as suas vidas.
Ele era o nosso líder. Era uma opção fácil, dele e nossa. Um líder aponta para um ponto no horizonte e diz:

- Aquele ponto pertence-nos, foi-nos prometido. Nada nem ninguém pode impedir-nos de o conquistar.

Um líder aponta para um ponto no horizonte e alguns reconhecem-no, outros, descobrem o que procuravam sem saber. Todos, sem excepção, seguem e guardam o líder, como se fosse uma única bússola no deserto. 

A Redenção era um ponto no horizonte e ele sabia – entretanto – em que parte do horizonte se encontrava... Aguardávamos apenas que ele apontasse... Seguiríamos com ele, para travar as batalhas que fossem necessárias, para conquistar aquilo que nos havia sido prometido.

As noites tornaram-se festas constantes na varanda do nosso dormitório... Partilhávamos as histórias que cada um vivera naquele dia, as piadas que um determinado miúdo contara com os olhos, as partidas que com eles pregávamos à funcionárias e uns aos outros – tal como a que o Alex organizou com o “cowboy”, para me fazer duvidar da minha sanidade durante uma semana...

O cowboy era um miúdo de quarenta anos que andava na cadeira de rodas com um palito no canto da boca e a altivez de quem se sentava no topo de uma carruagem puxada por doze cavalos (ou treze – quando um de nós o empurrava). Com as mãos nas rodas – que eram rédeas – era ele quem decidia andar, parar ou a direcção a seguir. Era sempre ele o último a entrar para a missa e o que nos deixava mais exaustos – de tanto relincharmos e galoparmos nas alturas em que soltava as rédeas.
Costumava vê-lo de manhã, num corredor que eu percorria quando levava os lençóis à lavandaria. Estava sempre no mesmo sítio, sentado na cadeira, a olhar um horizonte para lá das paredes – como se guardasse os seus cavalos enquanto eles descansavam.
A meio desse corredor abria uma porta que dava para a incineradora e para os contentores do lixo. Deixava o carrinho à porta e ia lá fora pôr as fraldas a queimar e o lixo nos contentores. Uma terça feira, depois de fechar a porta, não vi o carrinho. Ou melhor, vi-o, mas estava uns metros atrás onde jurava tê-lo deixado. Na quinta feira, o mesmo aconteceu; depois no sábado... Parecia que em certos dias, eu não era capaz deixar o carrinho em frente à porta, ou uma estranha e momentânea corrente de ar o empurrava para trás. O que mais me estava a irritar é que a aleatoriedade com que isso acontecia fazia-me nunca prestar atenção ao local exacto onde deixava o carrinho, ou verificar se havia correntes de ar momentâneas depois de abrir a porta. Ao fim de cinco vezes, decidi fazer tudo igual excepto uma coisa: dei apenas um passo lá para fora e aguardei, espreitando o carrinho por uma esquina. De repente, vi o cowboy fazer algo que nenhum de nós julgava possível – movia a cadeira sozinho, sem os cavalos, desde o sítio onde estava até ao carrinho dos lençóis. Depois, empurrava-o uns metros e seguia novamente até ao ponto exacto de onde partira.
O Alex tinha sido o único a conseguir falar com ele e a descobrir que ele conseguia fazer a cadeira andar, caso quisesse, caso houvesse um bom motivo. Pregar-me uma partida era um bom motivo e vê-lo cumprir uma missão, a empurrar a sua carruagem sozinho, também era. Durante todo o tempo que lá estive, tentei fazer sempre o mesmo ar de desorientação e espanto. O cowboy nunca falhou uma missão.  

Contámos essa e outras histórias, rimos de todos e de nós próprios,  fizemos apostas – que um dia fariam os perdedores pagarem finos ao grupo – de quem era o último a deixar as camas feitas, de quem perderia mais vezes a corrida com os lençóis para a lavandaria, de quem sujaria mais vezes as mãos com cocó...
No fim da noite, o Alex e o Maurício pegavam nas guitarras,  eu pegava nas flautas e cantávamos em coro, coisas da altura e coisas do passado. As funcionárias nocturnas vinham muitas vezes bater-nos à porta para fazermos menos barulho, mas uma noite – enquanto  cantávamos “We All Stand Together “do Paul McCartney – as funcionárias assistiram incrédulas os miúdos gemerem em coro e afinados a  melodia cantada pelos “sapinhos” da musica...

BOUM BOUM BOUM,
BOUM BOUM BOUM,
BOUM BOUM BOUM BOUM BOUM.
WIN OR LOSE, SINK OR SWIM,
ONE THING IS CERTAIN, WE'LL NEVER GIVE IN.
SIDE BY SIDE, HAND IN HAND,
WE ALL STAND TOGETHER.
BOUM BOUM BOUM - BY-I-YAH,
BOUM BOUM BOUM - BY-I-YAH.
PLAY THE GAME, FIGHT THE FIGHT,
BUT WHAT'S THE POINT ON A BEAUTIFUL NIGHT?
ARM IN ARM, HAND IN HAND,
WE ALL STAND TOGETHER.
BOUM BOUM BOUM BOUM BOUM BOUM BOUM.
LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA,
KEEPING US WARM IN THE NIGHT.
LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA,
WALK IN THE LIGHT, YOU'LL GET IT RIGHT.
DOO, DOO, DOO,
DOO, DOO, DOO,
DOO, DOO, DOO, DOO, DOO, DOO, DOO, DOO, DOO,
MIAU, MIAU, MIAU,
MIAU, MIAU, MIAU,
BOUM BOUM BOUM BOUM BOUM.
LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA,
KEEPING US WARM IN THE NIGHT.
(BA-BA-BA-BA-BA BOUM BOUM)
LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA-LA,
WALK IN THE LIGHT, YOU'LL GET IT RIGHT.
WIN OR LOSE, SINK OR SWIM,
ONE THING IS CERTAIN, WE'LL NEVER GIVE IN.
ARM IN ARM, HAND IN HAND,
WE ALL STAND TOGETHER.
WE ALL STAND TOGETHER!

A partir dessa noite, nunca mais vieram bater-nos à porta. Todas as manhãs, quando saíamos para o pequeno almoço, as funcionárias do turno acabado lançavam-nos sorrisos e cantarolavam “we all stand together...” como um cântico religioso, tão forte como os do 13 de Maio. Para elas – e isso disseram-nos – era o cântico de um pequeno milagre a que tinham assistido, o símbolo da nossa presença junto dos miúdos.

V

Chegou por fim o dia de entrarmos na casa dos gritos - o último sítio para onde o padre nos podia empurrar. Nela, viviam os únicos residentes que não conhecíamos ainda, os únicos dispensados de ir à missa.
Parámos todos à porta a olhar uns para os outros. Ele – como é óbvio – foi quem abriu a porta...
Viviam sete pessoas naquela casa. Eram diferentes de todos os outros.
Nada, até ali, nos havia preparado para o que vimos depois do pequeno almoço...
Para nós, um “deficiente” era agora a imagem de um miúdo com um corpo diferente do nosso mas com um brilho e uma vida incandescente nos olhos. Os residentes daquela casa possuíam um corpo igual ao nosso – com pernas um pouco mais atrofiadas talvez, por estarem todos os dias sentados em cadeiras de rodas – mas iguais a nós. No entanto, ao contrário dos outros miúdos, tinham um olhar vazio, desprovido de vida, desprovido de alma.
Custou-nos verdadeiramente permanecer naquela casa. Nem a rotina – a repetição daquela que já nos havia salvado, durante os primeiros dias – nos estava a valer. Sentia-se desespero e um grande vazio naquela casa. A palavra “catatónico” ainda hoje abraça todas as imagens que guardei daquele lugar.
As histórias que descobríamos de cada um, eram-nos contadas não por eles mas pelas funcionárias...

O Carlos – que deixara de comer, beber e (para ele) até respirar, no dia em chegou a casa e descobriu – por um bilhete manuscrito – que a esposa havia fugido com os seus filhos para lugar incerto, na companhia do seu melhor amigo.
O Rocha – que escreveu um livro de mil cento e quarenta páginas e – perante a indiferença do mundo ao que tinha para lhe dizer – cortou os seus pulsos e escreveu sete últimas páginas a sangue, na parede do seu quarto.
A Emília – que fora buscar os seus filhos à escola, num dia especialmente mau – daqueles intensamente tristes – à espera que um abraço dos dois a salvasse...


À terceira noite, o Alex e o Maurício continuavam sem tocar guitarra e nós não dávamos conta. Ficávamos em silêncio absoluto - mas um diferente daquele que vivíamos durante a cerimónia no terraço, pois não falávamos com nenhum deus, nem connosco.

- Bem está na hora de cobrar os finos que estão por pagar. Vão tomar banho, lavem bem o cabelo e usem perfume... Estamos todos a cheirar mal.

Tomámos banho, penteámo-nos, fomos buscar roupas bonitas ao fundo das malas e pusemos perfume – como se a cumprir o ritual de uma formatura, como se temendo uma punição militar pela desaprovação do nosso capitão. 

Depois, percorremos silenciosamente os corredores até uma janela que não fechava bem –desde o tempo em que ele ainda era o único morador daquele sitio.
Fugimos até à cidade e entrámos num bar.

VI

A verdade é que entretanto deixámos também de estar preparados para aquilo a que assistimos... O barulho, o fumo, um aparelho estranho a projectar imagens na parede e muitas pessoas. Pessoas aparentemente iguais a nós mas vestidas com roupas bonitas - que nunca ficavam no fundo de uma mala. Eram aparentemente iguais a nós mas depois manifestavam deficiências profundas nas suas conversas, expectativas e ambições. Cometiam a toda a hora o acto provocatório de irem à casa de banho com o maior dos desprazeres, sem darem conta que conseguiam fazê-lo sozinhas e ainda assim voltarem secas, com o copo na mesma mão. Engoliam amendoíns quase sem os mastigar – ignorando o quanto isso lhes seria útil caso um dia tivessem de tomar comprimidos todos os dias.
Quisemos ir embora mas ele sentou-se numa mesa ao canto da sala e nós sentámo-nos à sua volta. Passados treze minutos, conseguimos abstrair-nos do ambiente e criámos o nosso. O Maurício e o Luís pagaram os finos que tinham em dívida e eu paguei os meus – óbviamente por ser sempre o último a entregar os lençóis na lavandaria, enquanto esperava que o cowboy me levasse o carrinho.
Rimos novamente e até chegamos a dançar com os pés, por baixo da mesa. Havíamos voltado ao mundo normal, o nosso, aquele em que éramos verdadeiramente felizes – não cá fora, não dentro da casa dos gritos mas algures no meio. Algures no terraço com vista para os vales, nas conversas com os miúdos, nos concertos de Pearl Jam, Nirvana e Pixies que dávamos na nossa varanda. Ainda hoje, em dias especialmente tristes, vou até um desses sítios, até ao nosso mundo... Umas vezes chego lá, outras... Há simplesmente muito barulho.

VII

O dia seguinte foi melhor porque ao pequeno almoço, o Capitão comunicou-nos uma missão:

- Hoje vamos levar os miúdos desta casa à varanda... Vou tentar negociar mais do que quarenta e cinco minutos.

No fim da missa levámos os miúdos todos para as suas casas e fomos os buscar os outros. Seguimos o ritual sem escapar nenhum pormenor: alinhámos as cadeiras, sentámo-nos, não fizemos barulho...
Eles permaneceram como sempre estavam, inertes, de olhos postos no nada. Nós não conseguíamos ir a lado algum, não levantávamos voo em grupo como com os outros. O Alex levantou-se, pegou na Emília e disse-nos:

- Vou com a Emília até lá abaixo, vou mostrar-lhe umas flores.

Ao fim de 13 minutos estávamos já todos a pensar o mesmo – a pensar em voltar antes do “sino tocar”. No entanto, antes que nos levantássemos, vimos o Alex correr sozinho pela encosta acima. Parou junto a nós, ofegante e com lágrimas a escorrer-lhe dos olhos...

- Ela falou! Ela está a falar... Venham rápido!

Fomos a correr e parámos junto dela. Olhou para o Alex e disse:

- Que bom! Trouxeste os teus amigos... Tu e aquele menino lembram-me os meus filhos. Quando vos vejo fico mais feliz mas também mais ansiosa, à espera que eles apareçam.
Estou à espera de os ver desde que aqui cheguei, estou à espera que apareçam e me abracem.

Foi assim que ela repetiu o que dissera ao Alex. Nós, de lágrimas nos olhos, caímos de joelhos à altura da cadeira e abraçamos a Emília. Com vontade, com amor, com toda a força que as nossas almas pudessem emprestar a Emília. Ela chorou e depois sorriu...

- Obrigado. É assim que o abraço deles vai saber.

Depois inclinou a cabeça  e desapareceu. Voltou para parte incerta. Falámos para os seus olhos, sacudímo-la, gritámos – mas ela já não estava lá.

Ele levantou-se, olhou para cada um de nós e disse:

- Amanhã partimos de madrugada. Vamos encontrar os filhos da Emília e cobrar-lhes o abraço que já lhe deviam ter dado.

VIII


O Alex e o Maurício não podiam ir connosco. Na noite anterior, os pais do Maurício e a namorada do Alex haviam-lhes lançado um ultimato de regresso. Um ultimato que consumira praticamente todos os impulsos dos cartões, na cabine telefónica.
À noite, na varanda,  eles tocaram várias musicas da altura e do passado. No fim, cantámos aquele que sabíamos tornar-se para sempre o hino da nossa despedida: “Hey” – dos Pixies.
De madrugada, após saltarmos a janela que não fechava bem, juntámos dez mãos num circulo. Demos um abraço que durasse para sempre... Sabíamos que não nos íamos encontrar tão cedo.

(Uns anos mais tarde encontrámo-nos, mas numa história diferente.)

O Maurício e o Alex pegaram nas malas e rumaram à cidade, para apanhar o primeiro autocarro do dia – não convinha estarem na cidade quando dessem pela nossa ausência.
Eu, o Luís e ele demos um beijinho na Emília, levantámos a sua cadeira e descemos a encosta.
A Emília não estava ausente. Esboçava um sorriso ténue, quase imperceptível mas consciente, enquanto seguia em braços, pela encosta abaixo – como se em cima de um andor.
Nós transportávamos a Emília com o mesmo orgulho e firmeza com que carregámos o andor da Nossa Senhora de Fátima, numa  noite em que o Maurício quis fazer chichi e demos por nós nas traseiras da capela da Aparição – onde se juntavam os voluntários para carregar o andor.

Quando carregas nos ombros um símbolo de adoração de doze mil fieis - doze mil mãos que seguram velas para iluminar a sua fé – sentes-te pequenino mas muito orgulhoso. Os doze mil olhares que lançam sobre ti, mantêm-te firme, dão-te forças que não julgavas ter, dissipam as dores no teu ombro e na tua alma.
O andor da nossa Senhora de Fátima é pesado e leve. Quem o carregou sentiu o peso dos seus pecados mas também a solidariedade de doze mil almas ou mais – identificadas pela luz das suas velas –  que como tu, buscam a Redenção. 

Quando chegámos a uma vila, demos um pequeno passo atrás na nossa redenção e roubámos três bicicletas. Empurrávamos a Emília com uma mão na pega da cadeira e outra no guiador da bicicleta.

A minha luz favorita era a do crepúsculo mas nesse mês, nesse dia, passou a ser a da alvorada.
Gosto muito do sol. No entanto – e como pelas pessoas de quem sinto saudades – a altura em que o meu coração se enche de maior felicidade não é aquela em que os meus olhos os vislumbram e se encadeiam... É aquela em que uma luz única os anuncia. 

Havia uma luz única a iluminar a estrada – que se estendia à nossa frente como uma promessa cujo asfalto, metro após metro, ajudava a cumprir. Ao contrário de muitos, que seguiam em sentido contrário ao nosso – em direcção a Fátima – a promessa do caminho havia sido feita a nós. A promessa da Redenção estava à distância de um ponto no horizonte.
Íamos trocando entre nós a tarefa de empurrar a cadeira da Emília, de forma que – durante um espaço no tempo – havia um que ficava livre, a pedalar à frente, como se reconhecendo o caminho. Foi num desses momentos – em que ele seguia à frente – que o vímos sorrir pela primeira vez, de olhos postos no horizonte. Nesse momento, tive a certeza que seguíamos o caminho certo – porque quando os líderes sorriem, existe a certeza que tudo vai correr bem.
Já a Emília sorriu o caminho todo, com o vento a bater-lhe na cara e campos intermináveis de trigo a apontar-lhe, de cada lado da estrada, o caminho para os seus filhos.

O padre entretanto acordou. Interrogou as funcionárias e telefonou à Guarda Nacional Republicana. Moveu as suas influências para falar directamente com o chefe máximo do exército Romano que – entretanto, e por todo o mundo – deixou de seguir César e passou a lançar aos leões todos os seguidores de deuses diferentes.
O padre entrou na esquadra e baixou o polegar – condenaram-nos por “rapto”.

IX

A ficha clínica da Emília levou-nos até à aldeia que registava a sua última morada.
Ele entrou numa padaria e perguntou pelo paradeiro dos filhos da Emília...

- Vai encontrá-los onde estão há anos: no cemitério da aldeia.

A Emília teve um dia intensamente mau e decidiu ir ter com os seus filhos. Sabia o que apenas alguém muito só não sabe – que o abraço de alguém que amamos e nos ama de volta, pode trazer-nos à vida.
Viu os seus filhos saírem da fábrica e olharem para ela – criando aquela linha invisível de amor que nem os cientistas ousam falar. Já estive em milhares de aeroportos e estações de comboios, assistindo à criação dessas linhas - que medem a distância exacta entre pessoas que se amam e definem o caminho mais curto entre a multidão e o abraço. Nunca consegui fotografar essa linha.
A Emília esperava, do outro lado da rua, o abraço  dos seus filhos. Um camião rasgou a linha entre eles e atropelou-os.  

Quando ele voltou, percebemos que a alma da Emília estava perdida num ciclo interminável; um ciclo que começava por lhe dar o direito a ver os seus filhos ainda vivos, a serem felizes – não para sempre, apenas depois dela. Depois, havia um retrocesso e isso era-lhe retirado.
Percebemos que vivia meia acordada, meio a dormir; afundada num oceano negro que não a deixava vir à tona e viver muitas coisas, entre as quais, o sentimento que qualquer pai deveria receber por direito (qualquer que seja o nome do deus que o concede):  o de morrer antes dos seus filhos.
 A Emília vivia acordada e a dormir um daqueles sonhos que todos já tivemos - em que tudo corre bem até determinado ponto em que algo se desmorona. Todos já tivemos sonhos de duas horas em que o mundo é perfeito e depois, cinco minutos antes do despertador tocar, algo transforma o sonho num pesadelo. Acordamos tristes e às vezes a chorar. Programamos o despertador para tocar um pouco mais tarde e voltamos a sonhar...
Os primeiros dois minutos de felicidade repetem-se, mas depois tudo se desmorona novamente, até o despertador tocar, outra vez.. Repetimos o processo uma, duas, cinco vezes  e o sonho - que afinal é um pesadelo – impõe-se. Levantámo-nos tristes, sabendo que o dia já correu mal. Chegamos atrasados ao trabalho.    
A Emília vivia isso e todos os dias lhe corriam mal. Todos os dias vivia em busca dos seus filhos, em busca de um abraço que ficaram por lhe dar.

Em silêncio, levantámos as bicicletas e agarrámos novamente os punhos da cadeira da Emília. Estávamos vazios, sem nada à frente ou atrás do nosso olhar.
O líder estava perdido e pedalava à nossa frente, fingindo saber para onde íamos. Pedalámos até à antiga casa da Emília, com a esperança oca que nela morassem ainda recordações capazes de desbloquear os sonhos da Emília, capazes de interromper os ciclos que os faziam inevitavelmente acabar em pesadelos.
Quando parámos à porta, vimos dois meninos a brincarem num imenso jardim – eram os netos da Emília. Mal ela os viu, levantou-se da cadeira e permaneceu firme. Juntou todas as forças para dar dois passos em frente e disse:

- São eles... estão iguais.

X

A Emília não via os netos mas sim os seus filhos – na idade exacta em que os seus sonhos os haviam congelado.
Os meninos olharam para ela, só para ela – como se vissem perfeitamente (e pela primeira vez) a linha que mede a distância até alguém que amamos.
De repente, o som dos pássaros, numa calma tarde de Agosto, foi abafado por vinte sirenes fazendo a função de sinos – em jipes da Guarda Nacional Republicana. Sem nunca se calarem, cercaram o jardim.
Os netos corriam para ela e ela para os netos, encurtando uma linha à prova de som e de tudo, antecipando um abraço.
Ele correu em desespero para os guardas e gritou:

- Esperem! Por favor, esperem!

No exacto momento em que os meninos abraçaram a Emília, uma bala disparada por um romano, trespassou o peito do nosso capitão – como uma lança forjada para infiéis.
Ele caiu de costas no chão. Corremos para ele a chorar e ajoelhámo-nos junto a uma bússola partida...
Ele, com os olhos postos no céu, sorria...

- Estão a ver aquele ponto brilhante? Chegámos.

XI

“Ofereço fortuna a quem me vender a Redenção”

“Entrega o que tens de mais precioso.”

Bastava-lhe afinal entregar a sua vida. A Redenção foi-lhe oferecida.

XII

A Emília nunca mais voltou para o Centro. Durante o funeral, de mãos dadas com os netos, esforçava-se por manter uma cara séria, em sinal de respeito. Porém, de vez em quando, olhava para nós e sorria. Umas vezes, enquanto nos sorria, carregava a sobrancelha – para nos lembrar de endireitarmos a cabeça; outras, piscava-nos o olho – para nos confirmar que estava feliz e a sonhar, muito acordada. Confirmava que passara a ter sonhos felizes, até ao fim.

Os meus pais respeitaram-me o suficiente para não acreditarem na polícia e me tratarem como como uma vítima. Fiquei de castigo durante duas semanas mas não notei. Todos os dias – e durante treze – levantei-me  às sete da manhã... Fazia a  minha cama e a dos meus pais, depois de se levantarem. Durante treze dias, vagueei pela casa, de cabeça inclinada, a babar-me sem notar e a dar conta de todos os momentos em que ia sozinho à casa de banho ou levava uma colher à boca.
Não cheguei a ir à consulta que marcaram – logo após me comunicarem que já não estava de castigo. Passados esses treze dias, comecei a falar e a caminhar direito, sem me babar, de novo com expectativas e ambições profundamente fúteis mas normais.
Com o fim do castigo veio a autorização para me juntar aos meus amigos da rua, na casa da praia de um deles. 
Na noite em que fiz 18 anos, os meus amigos organizaram uma festa à noite, junto ao mar, com direito a fogueira e vodka, para festejarmos.
Gritei, cambaleei, caí e talvez até me tenha babado, mas não havia mal, pois estava bêbedo. Acordei de manhã com a lenha da fogueira ainda a crepitar e uma rapariga cujo nome desconhecia, a dormir no meu braço. Depois levantei-me. Olhei para o mar e para o céu no ponto do horizonte onde se encontram. Vi a vida apresentar-se a mim sobre a forma de opções fáceis. Optei por todas elas, no meu caminho de volta.
Voltei e permaneci no mundo das deficiências mais profundas. Voltei para vós.




“Ofereço fortuna a quem me vender a Redenção”.


Filipe Lascasas


Uma historia (praticamente verídica) que demorei dezasseis anos a escrever. Dedicada ao Centro e aos Miúdos que todos os dias me salvam. 
















Um abraço – um simples abraço – ao Luís, ao Maurício, ao Alex e à Emília.











No entanto - e perdoem-me a perda do vosso tempo - é também dedicada à Mafalda, que me conhece e (reconhece) a história. E ao meu afilhado, Bruno - que escreveu a carta da minha redenção -  e é, em vida, a pessoa em quem deposito a confiança daquilo em que me desejaria tornar. 
Perdoem-me a perda do vosso tempo, enquanto deixo também um abraço às minhas irmãs  - que  se preocupam - a Paula, a Jessy e a Carla Lascasas..




“We All Stand Together” – Paul MacCartney / “A Rose Among Thorns” – Ennio Morricone  & Dulce Pontes / “Hurt” – Nine Inch Nails “ / Hurt” – Johnny Cash (cover) / “Snow Girl” – Blind Zero / “Partida Del Leprosario” – Gustavo Santaol / “De Usuahia a La Quiaca – Gustavo Santaol / “Hey” - Pixies





11 comentários:

  1. Desta vez trato-te pelo nome...
    Filipe...sabes bem que esta tua história me é particularmente sensível...não vou repetir-me com adjectivos, porque já sabes o que penso. Fico feliz por teres uma compreensão rara do mundo e de tudo o que te rodeia. Fico feliz por saber que tu fazes o teu próprio caminho, ao invés de ires por estradas asfaltadas. Fico feliz por veres para além da floresta. Fico feliz por saber e constatar que és uma das mais brilhantes estrelas que já conheci em toda a minha vida.
    Demoraste 16 anos a escrever esta crónica...mas escreveste-a como ninguém mais conseguiria.

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  2. Meu "Filho" sabes que te sigo como se fosses um Deus..! Esta história de vida só mostra de uma forma mais clara a Essência que está dentro de ti.:)
    Sinto orgulho por fazer parte das tuas sextas à noite (sempre que possivel)...
    Obrigada por me contares esta história.

    M.(fã nº 1)

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  3. Muito bom Lascasas, gostei muito!

    Para o meu gosto, tens reticências a mais.

    Também há alguns erros, palavras que faltam, palavras a mais.
    Deixo um exemplo: "Os gritos fantasmagóricos e aleatórios, disparados ao silêncio da noite em chegámos, manteve-nos acordados e alimentou a nossa a imaginação"

    Corrige esses pormenores antes de publicares este texto fabuloso.

    PARABÉNS!

    rui

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  4. Obrigado Rui, como sempre... Já notei esse e outros erros (que provêm da escrita compulsiva e sem corrector) :)
    Ainda não me decidi se esta história vai para a "pilha da publicação"...

    Abraço

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  5. Filipe...envia por favor esta história para "a pilha da publicação"...é inteira e absolutamente boa de mais para não ser publicada...seria um grande desperdício privar quem quer que seja de um momento destes!!!!

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  6. Obrigada por mais uma história.

    Obrigada por me fazeres reviver vivências. Imagens e sentimentos que sem querer (por rotina talvez!) me tenho esquecido deles num cantinho fundo do meu baú. Conseguiste, de forma exemplar, provar que são eles que fazem do nosso passado uma bela e saborosa bola de berlim (as da Fanepão, sabes?) e orientam o nosso futuro de uma maneira tão fresca que apenas o fino do Convívio consegue igualar. :)

    Obrigada pela bóssula.
    Há pouco mais de 3 anos ela foi-me oferecida. Num Sábado, 11 de Agosto, TV apresenta-me uma daquelas pessoas que os meus pais sempre me disseram para evitar... perder.
    - "Paula, se tiveres de escolher os teus Amigos, escolhe aqueles que melhor sabem afinar bússolas, mesmo que por vezes as deles pareçam as mais desnorteadas."
    Tu és o tipo de pessoa que eu devo evitar... perder.

    Obrigada por afinares a minha bússola. E por o fazeres tão bem, mesmo longe. Talvez seja por saberes desempenhar tão bem o teu papel de irmão mais velho.

    Mais uma vez, da mesma forma sentida de sempre:

    OBRIGADA!

    PS

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  7. Começo a lamentar não te ter "aproveitado" durante o curto tempo em que convivemos.
    A verdade é que te guardei como um puto inteligente e divertido (sem boina) sem ter percebido que apesar da diferença física de alturas eu é que devia olhar para cima.
    Celina

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  8. Partilho tudo o que foi dito acima...a sensibilidade humana é um bem raro e precioso.
    Obrigado pela partilha de esta e outras crónicas.
    *
    p.s. - e a edição de um livro, não?

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  9. conheci poucas pessoas com a tua sensibilidade. Espero que consigas um dia publicar todos os teus escritos. Que saudades tinha de ler estas tuas cronicas!

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