segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A tua Alma é uma obra de arte... Porque não a pintas?



Não percebia nada de arte e continuo a não perceber. Olho para um quadro ou uma escultura e ainda não sei dizer qual a técnica utilizada na concepção ou o valor de mercado antes e depois do artista morrer. Raramente sei como se chama o artista e, quando sei, é porque a assinatura é legível. Não sei distinguir quando pago uma exorbitância ou uma bagatela pelo preço do bilhete de uma exposição de pintura. Comprava quadros porque tinha dinheiro, porque os meus amigos diziam que era um bom investimento, um item obrigatório para uma casa e uma pessoa como eu (seja lá o que isso quer dizer...)
Acordava de manhã e nas muitas divisões da minha casa, era perseguido por olhares de pessoas que não conheci, paisagens que nunca vi, formas, cores e pinceladas que (por muito que me esforçasse) apenas me davam a sensação que tinha comprado os quadros antes de eles serem acabados. Depois da minha higiene pessoal e da escolha do fato e da gravata mais adequada, metia-me no carro com mais cilindrada e luxo no mercado, aconselhado pelos mesmos amigos  – por ser o veículo que melhor definia a minha personalidade. (Seja lá o que isso quer dizer, garanto-vos que a minha personalidade sai bem cara.)
Quando chegava à minha empresa e subia ao escritório, era perseguido por mais caras, mais paisagens, mais formas...
Um dia fui interpelado por um sujeito que havia bloqueado a entrada que dava acesso à  minha empresa. Tinha espalhadas no passeio montes de telas pintadas com aguarelas.

- Não quer comprar um dos meus quadros?
- Não obrigado!
- Mas porquê? Não vê nenhum que lhe diga alguma coisa?
- Isso não se pode considerar arte!
- E se fosse você o autor dos quadros, comprava?

Com essa introdução o estranho iniciou o meu primeiro negócio dessa manhã... Propôs que passasse por lá todos os dias e desse uma só pincelada, com a cor e a forma que melhor definissem o meu estado de espírito nesse dia ou no anterior.

- Quando a tela ficar completa, se gostar do seu quadro, compra-o juntamente com mais dez meus. Caso contrário, passo a vender quadros noutro passeio.

Achei um bom negócio – o mais económico dos que celebraria nesse dia – e aceitei.
Durante duas semanas, a espiral azul significou a minha infância, a recta cinzenta a discussão com a minha mãe, o rectângulo amarelo os três dias de férias na praia, o circulo vermelho interrompido o meu namoro, a mancha preta – destoada no centro com duas gotas salgadas – a morte do meu tio.
Nenhuma técnica, nenhum estilo. Apenas eu e um  pincel que mergulhava na minha alma e escorria a cor em que ela estava vestida nesse dia. Depois aterrava levemente na tela, pegava a alma pela mão e dançava com ela... Uma vezes valsa outras vezes tango.
Passadas três semanas, com o pincel mergulhado em verde-esperança, pousei-o numa ponta da tela e acabei na outra. Mas a tela era curta demais para uma diagonal pintada nesse verde... Uma diagonal com essa cor só é grande o suficiente quando não parece um ponto. Por isso, peguei num balde cheio de verde e continuei a recta, pelas paredes do sitio onde trabalhava, pelas caras dos que se pintavam orgulhosamente de cinzento e corações daqueles a quem tinha sido roubada essa cor.
Pelo caminho, sujei um Monet e disso arrependo-me. Não me arrependo porém, de ter despejado o resto do balde no dono da empresa, ensopando-o o suficiente para que todos pudessem mergulhar nele os seus pincéis e pintarem pequenas estrelas da cor que ele mais ofuscava.
Arrumei as minhas coisas enquanto troquei (pela primeira vez em cinco anos) algumas palavras com o segurança da empresa – que descobri ser admirador e um bom conhecedor de arte. Ofereci-lhe um caixote cheio de quadros do meu escritório e em troca, recebi um sorriso – pintado com muitas cores.
Quando cheguei cá em baixo, comprei o meu quadro e mais dez, com medo que alguém passasse naquele passeio e descobrisse tudo sobre a minha vida. Depois sentei-me no passeio e perguntei ao pintor se ele não receava expor-se. Riu-se e confessou que não vendia as telas onde se pintava.
Vendi o meu carro pois a cor não definia qualquer estado de espírito que eu pudesse ter. Ofereci, criteriosamente, os quadros antigos que possuía a alguns amigos que os mereciam e, por fim, mudei de amigos – na   forma e nas cores... Afinal, são poucas as que não destoam com tempo e são precisas apenas algumas para originar todas as outras.

Continuo a pintar...

Mas os meus quadros não estão à venda.


Filipe Lascasas
                                  

Ao Arnaud  (túnel de metro de Montmartre - Paris)


The Irrepressibles - In This Shirt     

4 comentários:

  1. As tuas histórias são contos, são fábulas, são momentos globais!

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  2. De facto, muito bem dito, as tuas histórias são momentos globais. São as tuas histórias que pintam também a minha vida.

    :-) Continua a pintar!

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  3. Pintar a vida. Sem medo. Com todas as cores, com todas as tonalidades e nuances da paleta da nossa própria alma.

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