sábado, 9 de janeiro de 2010

A boleia




Não foi fácil entrar no berçário mas teve a ajuda de um toxicodependente que conhecera na noite anterior... Já por cinco vezes havia conseguido entrar no hospital para roubar metadona. Entrava e saía sem que ninguém desse conta.
- É como roubar um rebuçado a uma criança! – Disse o ressacado, sem perceber a ironia da metáfora que as suas informações iriam originar. 
Reconheceu o berço mal entrou. Pegou no bebé e colocou-o debaixo do sobretudo.
Minutos antes, havia aberto por três vezes, a mesma porta de emergência, sem que fosse visto. Quando finalmente os seguranças desactivaram o alarme, presumindo “mau contacto”, seguiu sem problemas pela mesma porta, desta vez sem a fechar.
Meteu o bébé no carro e destapou-o. O bébé estava calmo e bem disposto – o conceito de “passeio” assimila-se em qualquer idade, já o de “rapto”, aprende-se...Depois de muitos outros.
O carro comia alcatrão a uma velocidade estonteante. Depois da segunda paragem mudou uma lâmpada e uma vela ao carro mas durante todo o tempo esteve apenas concentrado na colossal operação que o esperava a seguir... Sem qualquer diagrama ou manual técnico, encheu o biberão com o leite comprado na farmácia e pegou no bébé.
O carro arrancou; desta vez e sem explicação aparente, muito devagar.
Os biberões acumularam-se no banco de trás ao mesmo ritmo que um estranho cheiro impregnou o interior do carro.  A dado quilómetro riu-se, com a ironia de conduzir um carro onde pela primeira vez não tinha fumado e que ainda assim, cheirava pior. O bébé, aliviado, riu-se também.
Comprou fraldas para uma idade desadequada, saiu do supermercado e viu  uma televisão numa montra mostrar a sua cara, em formato “preto e branco”, saindo do hospital – havia sido visto.
Faltavam 32 quilómetros quando uma mota da patrulha de trânsito se colocou à sua frente e o mandou encostar. O polícia pediu os seus documentos e perante a visão de biberões vazios e fraldas espalhadas no banco de trás, sacou a sua arma.
De mãos levantadas, colocou-se em frente ao polícia e, sem falhas técnicas, desarmou-o, com uma sequência fluida de Krav Maga. A sequência, à semelhança de uma muda de fraldas, pode ser esquematizada em 4 fases:

1ª - O corpo roda para uma posição fora da trajectória da bala e simultâneamente, a mão esquerda agarra firmemente o pulso da mão que segura a arma.
2ª - A mão direita  agarra o cano da arma e roda-a para dentro, em direcção ao corpo do agressor.
3ª -  A arma solta-se perante a impossibilidade física de a manter agarrada, ficando na posse de quem a segura pelo cano.
4ª - A coronha livre da arma é lançada violentamente na traqueia do agressor..

O polícia, lutando para respirar, foi amarrado e metido dentro da mala. Não foi a primeira vez que agrediu um agente da lei... Já em Praga havia sido preso por fazer o mesmo.
Meteu-se no carro e seguiu viagem. Acelerou, olhou para o bébe, depois acelerou de novo.
Só parou o carro quando chegou às traseiras da penitenciária. Pegou no bébé ao colo e caminhou em direcção ao pátio... Rui, de uniforme azul, esperava-o por trás da rede, sozinho. (O suborno aos guardas prisionais havia resultado).
Levantou o bébé e encostou-o à rede. Rui esticou os dedos por entre o ferro entrelaçado e tocou na face de Diogo que curiosamente, estava calmo e bem disposto – o conceito de “pai” assimila-se em qualquer idade, já o de “liberdade”, aprende-se... Depois de muitos outros.

Muitos pais cometem crimes graves, mas nenhum castigo ou sentença pode alguma vez impedir um pai de querer beijar o seu filho.

Filipe Lascasas

Ao Rui e ao Diogo Almeida (o trabalho também é uma prisão).

3 comentários:

  1. Tão fofo! :)

    P.S. Sabes fazer aqueles golpes? Se souberes tens de me ensinar, nunca que sabe quando poderão dar jeito.

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